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quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

"Panorama dos negócios pós-Copenhague", por Ricardo Young

Quem não levar em conta a dimensão do mercado, da nova governança global e da explosiva convergência entre crise climática e pobreza não estará preparado para o futuro.

Enquanto seguem indefinidas as discussões oficiais sobre os mecanismos embrionários de uma nova governança do planeta, parece que os empresários já fecharam a agenda dos negócios para os próximos anos. Talvez porque eles pensem de maneira transversal, talvez porque necessitem de estratégias de longo prazo, uma coisa e inegável: as empresas já aterrissaram no pós-Copenhague. E já acordaram para o fato de que pelo menos três grandes áreas terão mudanças cujos impactos afetarão os negócios irreversivelmente, obrigando inclusive alguns setores da economia a praticamente se reinventarem. Essas três áreas de grande impacto são carbono, energia e tecnologia. Elas, sem dúvida, vão exigir investimentos e atenção nos próximos anos.

O primeiro desafio das empresas é o da energia. E, nesse aspecto, eficiência será a palavra-chave. Por isso, toda sorte de novas tecnologias para produzir, distribuir e armazenar energia estará em pauta. Uma pequena amostra do que virá pode ser vista na exposição Bright Green, de tecnologias de baixo carbono, realizada entre os dias 12 e 13 de dezembro no Fórum de Copenhague. Modelos arrojados de carros elétricos chamavam a atenção do público. Mas o interesse mesmo estava nas inovações que mudam processos, como o da célula-combustível, uma invenção que usa o conhecimento mais avançado em física para armazenar energia e movimentar fábricas inteiras sem petróleo e com um mínino de consumo de recursos. E consumir menos energia será um vetor importante no futuro. As empresas terão que encontrar novas formas de se abastecer se não quiserem ser penalizadas pelo poder público e pelos próprios consumidores, cada vez mais conscientes.

O segundo desafio será a internalização do carbono, em decorrência do primeiro desafio. Explico. Se é verdade que uma das principais razões da alta emissão de GEE está no uso de matrizes energéticas baseadas em recursos não renováveis, não é menos verdade que a eficiência energética será medida pela quantidade de carbono concentrada em qualquer processo, produto ou serviço. Na prática, isso significa que um custo até aqui externalizado e tratado apenas na dimensão das políticas públicas passa agora a ser precificado. No curto prazo, fará parte das demonstrações financeiras das organizações, isto é, passará pelo escrutínio dos investidores, entre outras partes interessadas. Assim como já existem fundos buscando empresas eficientes em energia, há projetos como o da Bovespa e do BNDESpar, lancado hoje em Copenhague, de valorar as ações de acordo com a pegada de carbono das empresas. Com isso, empresas que não estiverem inventariando e monitorando seu carbono serão triplamente castigadas: pelo mercado, por meio da depreciação de suas ações; pelos governos, por meio de políticas fiscais penalizadoras; e pelo consumidor, que rejeitará os produtos e serviços.

O terceiro desafio, portanto, é justamente internalizar o custo do carbono. E esse desafio vai exigir um nível de inovação tecnológica ainda não devidamente avaliado. Para poder produzir e consumir com baixo carbono, precisamos de tecnologias de alto calibre, a maioria delas ainda sequer imaginada. Portanto, estamos em vias de viver o início de uma nova corrida em busca da next new thing, como se dizia nos idos de 1980 e 1990 para a onda de inovações que tomou conta das empresas e da sociedade. O setor financeiro já começa a analisar os investimentos em função do risco de carbono e da inércia de baixa inovação do negócio. Por outro lado, tradicionais empresas do setor petroquímico, como Dow e Brasken, estão vendo nas tecnologias da biomassa o grande salto que as libertará da dependência do petróleo.

O tripé eficiência energética-pegada de carbono-inovação tecnológica será o grande propulsor da competitividade da década. Mas não só. Esta década também vai se caracterizar pela corrida contra o tempo: em termos de metas de redução de carbono, 2020 será um fracasso político e de negócios ou, ao contrário, representará o auge da capacidade da ciência, da política, dos negócios e da sociedade civil organizada de inverter a tendência da autoextinção.

No Brasil, continuamos em berço esplêndido e sabemos que não é a qualidade do berço que forma a criança saudável. Achamos que vencemos a batalha da matriz energética limpa, em função da água e do etanol. Achamos também que essa coisa de carbono é um problema dos países altamente emissores e podemos passar ao largo. Até pode ser. Mas e quanto à tecnologia? O mundo será outro em pouco tempo e o Brasil é, entre os países em desenvolvimento, aquele com menor capacidade de formar capital intelectual bruto para fazer frente às necessidades desse novo mundo. Se as lideranças empresariais não tiverem força para romper com a autocomplacência e entender as consequencias desses três vetores nos negócios, não sairemos do século 20. Se ousarmos quebrar paradigmas, estaremos no século 21. O leitor pode considerar que estou exagerando. Mas quem não levar em conta a dimensão do mercado, da nova governança global e da explosiva convergência entre crise climática e pobreza não estará preparado para o futuro. Já se passaram dez anos do século 21 e muito pouco foi feito. Vamos continuar assim?

Por Ricardo Young, presidente do Instituto Ethos, de Copenhague

Artigo publicado no site de Época Negócios, na seção “Direto de Copenhague”.
Foto: Brenda Brito

Representam o Instituto Ethos na COP-15 o presidente Ricardo Young e Cristina Spera, assessora de imprensa, acompanhados pela jornalista Célia Rosemblum, do jornal Valor Econômico. Eles viajam a convite da Natura e do Walmart

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